mesmo que não seja

Just another WordPress.com weblog

Categoria: Deles

S. Sontag persiste:

“Harriet partiu ontem para Nova York… Fiquei um bocado de tempo com Irene na semana passada. Puxa, como ela tem problemas! Fiquei surpresa de ver como ela é honesta comigo… tantos pensamentos e tanta conversa! O que as pessoas fazem com a própria vida, e eu não quero me apaixonar por gente limitadora… Irene não sabe como lidar consigo mesma e com sua demanda acerca de si mesma… Falou da ‘mediocridade’ da sua vida pregressa – não tirou boas notas etc.”

11/06/1949

Notas:

1) Quando nosso horizonte se alarga, as pessoas  ficam do  tamanho que realmente são;

2) Nunca ter pena de  gente  que não corre risco – o melhor é manter distância;

3) O pensamento não compensa se ele não te levar a alguma forma de prazer.

(Susan Sontag também já foi jovem)

.
.

“A única coisa em que consigo pensar é na mamãe, como é bonita, que pele lisa ela tem, como me ama. Como ficou abalada quando chorou numa noite dessas – ela não queria que papai, que estava no outro quarto, ouvisse, e o barulho de cada onda de lágrimas sufocada era igual a um soluço gigantesco – , como as pessoas são covardes para se envolver, ou melhor, para se deixar passivamente envolver, por convenção, em relacionamentos estéreis – que vida podre, sombria, infeliz levam elas…”

19/08/1948

“Acho que não é possível derrotar aquilo que agora eu sei… Temi uma recaída, mas mesmo forçada de volta à rotina ainda tenho a resposta da qual estava tão segura na esteira de um êxtase… Vejo Irene, tão óbvia no seu embaraço e na maneira como me evita… sua boca é tão fina… É de fato triste se dar conta de como ela é incompleta, como vai ser sempre infeliz… Não é que eu tenha deixado de amar Irene – acontece apenas que ela ficou totalmente diminuída, eclipsada pelo esplêndido alargamento do meu mundo, o que eu devo a Harriet… Tomei tão poucas decisões corretas, e a maioria delas por razões erradas… Minha carta para Irene, por exemplo, continha muita verdade, embora eu não tivesse em mente a interpretação verdadeira daquelas expressões imponentes…

Amar o corpo de alguém e usá-lo bem, isso é o básico… Posso fazer isso, eu sei, pois agora fui libertada…”

24/05/1949

"Tenaz assim
Feito passarim

É de mágica
Que eu dobro a vida em flor
Assim
E ao senhor de iludir
Manda avisar
Que esse daqui
Tem muito mais
Amor pra dar"
                                            los hermanos

… Não consigo molhar os pés apenas
eu mergulho e só paro quando me afogo
eu me queimo e só paro quando derreto
eu me jogo e só paro quando me param.

Martha Medeiros

Olha Maria

Olha Maria
Eu bem te queria
Fazer uma presa
Da minha poesia
Mas hoje, Maria
Pra minha surpresa
Pra minha tristeza
Precisas partir

Parte, Maria
Que estás tão bonita
Que estás tão aflita
Pra me abandonar
Sinto, Maria
Que estás de visita
Teu corpo se agita
Querendo dançar

Parte, Maria
Que estás toda nua
Que a lua te chama
Que estás tão mulher
Arde, Maria
Na chama da lua
Maria cigana
Maria maré

Parte cantando
Maria fugindo
Contra a ventania
Brincando, dormindo
Num colo de serra
Num campo vazio
Num leito de rio
Nos braços do mar

Vai, alegria
Que a vida, Maria
Não passa de um dia
Não vou te prender
Corre, Maria
Que a vida não espera
É uma primavera
Não podes perder

Anda, Maria
Pois eu só teria
A minha agonia
Pra te oferecer

 

Chico Buarque

“Os moços tão bonitos me doem, impertinentes como limões novos. Eu pareço uma atriz em decadência, mas, como sei disso, o que sou é uma mulher com um radar poderoso.”

 

Adélia Prado

‎”Zera a reza, meu amor

Canta o pagode do nosso viver

Que a gente pode entre dor e prazer

Pagar pra ver o que pode

E o que não pode ser

A pureza desse amor

Espalha espelhos pelo carnaval

E cada cara e corpo é desigual

Sabe o que é bom e o que é mau

Chão é céu

E é seu e meu

E eu sou quem não morre nunca”

 

[Caetano Veloso – Zera a Reza]

Os Ombros Suportam o Mundo

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

[Drummond]

Nave
Ave
Moinho
E tudo mais serei
Para que seja leve
Meu passo
Em vosso
Caminho.

(Hilda Hilst, em Trovas de muito amor para um amado senhor)